08/10/2024
Ocorrido na Filadélfia, Estados Unidos, de 03 a 05 de novembro de 2022, a North American Cystic Fibrosis Conference 2022 contou com a participação de profissionais de todas as áreas envolvidas no conhecimento e atendimento de FC de várias partes do mundo. Os médicos Elenara Procianoy, Paulo Kussek, Luciana Monte e Luiz Vicente Ribeiro Filho, membros da diretoria do GBEFC gestão 2022-2023, estiveram presentes e nos trazem um resumo das principais atividades. A Dra. Flávia Fernandes, Coordenadora do Centro de FC Adultos do Hospital da Base de Brasília, acompanhou o grupo e também trouxe sua contribuição.
Com o tema “Back Together” este evento organizado pela Cystic Fibrosis Foundation (CFF) marca o retorno presencial dos grandes congressos de fibrose cística norte-americanos. As grandes plenárias enfatizaram todas as pesquisas em desenvolvimento para que todos os pacientes não elegíveis aos moduladores já aprovados possam ser contemplados com os novos tratamentos da doença direcionados à correção do CFTR.
1. Simpósio Latino-Americano do NACFC reúne médicos de centros de tratamento latino-americanos para discutir a qualidade do tratamento dos pacientes e implantação de uma rede de apoio de registro de pacientes latinoamericanos
Os membros do GBEFC participaram do Simpósio Latino-Americano do NACFC para discussão dos rumos da Fibrose Cística na América Latina com debate dos problemas que dificultam a expansão da assistência entre os diferentes países, principalmente na assistência por uma equipe multidisciplinar e acesso aos medicamentos. Também foi discutida a criação ou ampliação de um registro latino-americano de pacientes numa plataforma digital no âmbito regional, nacional e até mesmo internacional. Neste último tema, o Brasil assumiu posição de destaque, pois nosso Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC) é um dos melhor organizados, profissionalizado e com maior número de dados, com importante participação dos centros brasileiros que anualmente inserem os dados dos seus pacientes numa plataforma amigável para preenchimento e análise, possibilitando a posterior publicação final do relatório epidemiológico anual detalhado, que inclui as medidas da função pulmonar, estado nutricional, informações sobre colonização brônquica, número de exacerbações, medicamentos utilizados e taxa de transplante pulmonar, entre outros, de todos os pacientes cadastrados. Foram os responsáveis pelo Simpósio os doutores Albert Faro, Hector Gutierrez, Fadel Ruiz e Carlos Milla, representando a CFF.
2. Uma esperança para todos, as novas opções de tratamento para pacientes portadores de mutações não elegíveis aos moduladores e outras opções terapêuticas.
Duas das grandes plenárias apresentadas no evento abordaram temas relacionados às novas opções terapêuticas, em especial as específicas para pacientes portadores de mutações menos comuns, não elegíveis aos moduladores CFTR. Com os títulos “Hope for All: Addressing the Needs of Those with Untreated CF Mutations” e “It Takes Everyone: Novel CF Therapeutics & Clinical Trial Strategy to Accelerate our Mission”, as palestras apresentaram as grandes novidades e últimas pesquisas, trazendo grande esperança a pacientes com FC e profissionais da saúde. Uma das frases mais enfatizadas foi “until it 's done for everyone”.
É evidente que a experiência com o uso dos novos moduladores CFTR nos Estados Unidos e Europa é muito maior que a nossa. Os moduladores são com certeza um divisor de águas do antes e depois, principalmente a chamada terapia tripla de moduladores ou ETI (elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor). Desde sua aprovação pelo FDA, em 2019, os moduladores combinados têm demonstrado resultados muito bons, sendo eficazes e seguros. Vários trabalhos de seguimento mostraram que os benefícios são mantidos mesmo após quase 3 anos de tratamento. Porém, outros estudos de longo prazo sobre o ivacaftor, o primeiro modulador aprovado, mostraram que a perda anual da função pulmonar ainda persiste, embora menor (Guimbellot, J Cyst Fibros, 2021). Ou seja, os moduladores ajudam muito, mas não curam a FC. Efeitos colaterais inusitados dos moduladores foram relatados, especialmente sobre o estado de humor dos pacientes (depressão). Felizmente, os efeitos colaterais costumam ser de intensidade leve a moderada, melhorando com a redução da do e dos moduladores, sem necessidade de suspensão do fármaco. Moduladores mais potentes e/ou novos tratamentos adjuntos, seja para mutações elegíveis ou não aos moduladores, são ainda necessários, sendo, portanto, uma necessidade e uma esperança para todos.
O Dr Steven Rowe, atual Vice-Presidente Executivo e Chief Scientific Officer da CFF, fez um apanhado sobre os últimos progressos em FC e apresentou um panorama resumido sobre as novas pesquisas em andamento direcionadas a complementar o tratamento para todos os genótipos em FC. Segundo Rowe, nos últimos 5 anos o Registro de Pacientes da CFF identificou um aumento significativo da idade mediana de sobrevida que atualmente está em 53 anos (previamente 43 anos, de 2012-2016); identificou que o número de transplantes é menor que 1/4 do que se tinha cinco anos atrás e que o número de gestações aumentou em mais de 100% em apenas 3 anos, relacionando ao uso mais amplo dos moduladores. Nos EUA, cerca de 94% dos pacientes com FC são elegíveis aos moduladores, seja isolado (ivacaftor) ou combinado (ETI). Entretanto, portadores de duas mutações nonsense (cerca de 2.7% dos pacientes) ou outras mutações raras (cerca de 3.3%) não se beneficiam do tratamento. Desta forma, há uma necessidade crítica de desenvolver tratamentos direcionados para estes pacientes que envolvam a produção da proteína CFTR funcionante.
A Dra Michelle Hastings, professora de Biologia Celular e Anatomia da Rosalind Franklin School of Medicine and Science abordou as pesquisas direcionadas ao desenvolvimento de “antisense oligonucleotides (ASOs) ” para uso em indivíduos com CFTR-splice mutations. Os ASOs são moléculas direcionadas ao RNA que apresenta a informação genética alterada, mascarando as mutações e induzindo o splicing (“corte e cola”) no lugar correto. Estudos de fase 1/2a devem ser iniciados ainda em 2022 pelo programa da SpliSense (empresa israelense liderada pelo grupo dos Drs. Batsheva Kerem e Eitan Kerem), em Israel. ASOs já são empregados no tratamento da atrofia espinhal medular (AME) - o Nusinersen (Spinraza®) e distrofia muscular de Duchenne (DMD) - Eteplirsen (Exondys 51®).
A Dra Rebecca Darrah, professora do Departamento de Genética da Case Western Reserve University, abordou as novas pesquisas utilizando a terapia com RNAm, a qual pode se provar viável para mutações mais raras e outras. A terapia com RNAm tem o potencial de restaurar a função da CFTR independente da classe da mutação CFTR do paciente. Desta forma, resumidamente, seriam novas terapêuticas associadas às mutações:
a. Mutações nonsense - inibição do NMD, estratégias "read through", tratamento com ASOs
b. Mutações tipo splicing - tratamento com ASOs
c. Mutações tipo frameshift ou duplicação/deleção de exons - terapias RNAm, tratamento com ASOs
d. Mutações tipo missense ou deleções/inserções in-frame - “therapying”, melhores moduladores.
A Dra. Deepika Polineni, da Washington University em St. Louis, fez uma excelente apresentação revisitando a pipeline de desenvolvimento de drogas e os ensaios clínicos em andamento conduzidos com o apoio da CFF que visam todas as necessidades das pessoas com FC. Conforme Deepika, as terapias genéticas envolvendo RNAm ou DNA (gene delivery, gene editing) são o caminho para a cura da FC, enquanto a terapia atual, incluindo a terapia com moduladores, transforma a FC “de uma doença fatal em uma condição totalmente tratável”. Atualmente, pelo menos 5 estudos pré-clínicos ou de fase 1 envolvendo a terapia genética estão planejados ou sob revisão. Deepika também abordou as novas possibilidades de terapia antimicrobiana, citando o uso da terapia com fagócitos no tratamento de infecções multirresistentes, especialmente de infecções por micobactérias não tuberculosas. Outro assunto abordado foi o uso do pâncreas biônico num estudo de J Sherwood e colaboradores envolvendo 20 adultos com diabetes relacionado à FC.
Nicole Hamblett, da Universidade de Washington, demonstrou o impacto da participação em ensaios clínicos e as dificuldades relacionadas à realização destes estudos, especialmente da captação de pacientes com mutações mais raras. Nicole sugeriu novos designs de estudos, unificação de dados, uso da telemedicina e de aparelhos de monitorização para uso domiciliar e controle à distância como forma de ampliar o “N” suficiente para o estudo.
3. O que há de novo em microbiologia e controle de infecção?
Atualmente sabemos que as infecções crônicas, tais como as que ocorrem no pulmão da FC, refletem a presença de um complexo de comunidades de colônias formadoras de biofilme que interagem entre si. Estes microrganismos colonizam o pulmão e sofrem subsequente adaptação ambiental e evolucionária, levando a exacerbação da doença em alguns momentos. Identificar qual deles é o responsável e direcionar o tratamento, não induzindo resistência nos demais, é um grande desafio. Neste contexto, o uso das culturas tradicionais não tem grande auxílio e novas abordagens chamadas cultura-independentes têm surgido para ajudar nesta questão.
Uma delas, ainda não disponível para prática de rotina, utiliza técnicas de extração do DNA nuclear dos germes para sequenciamento por NGS da região 16s do RNA ou mesmo sequenciamento metagenômico tipo shotgun para identificação do bacterioma ou viroma ou fungoma ou tudo, onde se determinam todos os microorganismos presentes naquela amostra (diversidade), e não somente uma bactéria, assim como a quantidade (abundância) de cada microrganismo.
O estudo das interações dos microrganismos no pulmão FC carece de modelo animal, o que dificulta o melhor entendimento das interações entre a Pseudomonas aeruginosa e outros germes emergentes em FC. A Dra Sophie Darch, da University da Florida, demonstrou um sistema que utiliza a microscopia de escaneamento por laser para identificar as vias fisiológicas e a organização espacial das colônias as quais são críticas para a colonização por Pseudomonas e do Aspergillus fumigatus no pulmão da FC.
Através da identificação dos mecanismos que estruturam as relações entre as comunidades microbiológicas procuram-se novas opções terapêuticas.
4. Você sabe o que é a FAGOTERAPIA e para que serve?
Pela primeira vez, pesquisadores tiveram sucesso em tratar uma infecção pulmonar micobacteriana multirresistente e refratária (M. abscessus) num paciente com FC e doença pulmonar avançada e possibilitar que o paciente pudesse ser transplantado. O tratamento realizado utilizou a “fagoterapia” e o caso foi publicado recentemente na revista Cell (Nick et al., 2022, Cell 185, 1860–1874). No caso, foram utilizadas infusões endovenosas de micobacteriofagos, em uso compassivo, por período prolongado. Houve melhora clínica e negativação das culturas cerca de 1 ano após o início do tratamento.
Fagoterapia refere-se ao uso de fagos específicos para tratamento de infecções bacterianas. Os fagos são vírus geneticamente manipulados que atravessam a parede celular das bactérias, penetram no DNA bacteriano, assumindo o controle da célula e destruindo a habilidade da bactéria funcionar ou se replicar. Esta ação não atinge outras bactérias, não lesa outras células e independe da resistência bacteriana aos antibióticos. Sua utilidade principal é em infecções por germes multirresistentes. Surpreendentemente, há mais de 100 anos os pesquisadores consideram o uso terapêutico potencial dos fagos, isolados ou em associação aos antibióticos. Geralmente, são utilizados um pool de fagos/virus seja por nebulização ou infusão endovenosa. Relatos de uso compassivo em outras infecções multirresistentes por Pseudomonas, Achromobacter e outros já foram publicados e estudos (maioria fase 1) estão em andamento.
5. Quais são os principais ensaios clínicos em andamento para tratamento de FC?
Numa sessão intitulada Medicina Baseada em Evidências: atualização em ensaios clínicos em FC os principais estudos selecionados foram apresentados por seus pesquisadores:
a. Estudo PROMISE - Pediatric - resultados parciais: apresentado pelo Dr Feliz Ratjen, da Universidade de Toronto. Trata-se de um estudo prospectivo e observacional, em andamento, realizado após a aprovação do ETI em crianças de 6 a 11 anos. Foram apresentados os dados de 125 crianças que estão recebendo o ETI há 6 meses. A maioria são meninos (57%), com idade média de 9 anos e quase todos têm pelo menos 1 mutação F508del. Foi observado um aumento significativo da função pulmonar (LCI e VEF1), diminuição do cloro no suor e melhora dos sintomas respiratórios. O Dr Ratjen chamou a atenção que a magnitude dos resultados é menor em comparação aos estudos realizados em pacientes maiores provavelmente devido a melhor função pulmonar das crianças incluídas no estudo.
b. Segurança e eficácia do tratamento com ETI em pessoas com FC e pelo menos uma mutação F508del: Apresentado pela Dra Cori Daines, da Universidade do Arizona. Estudo open-label de 144 semanas que incluiu 506 participantes, todos com pelo menos 1 mutação F508del (107 eram homozigotos F508del) com foco na segurança do ETI. Após 144 semanas, quase 98.8% dos participantes relataram algum efeito colateral. Maioria (60.3%) considerados de gravidade moderada. Os mais comuns foram exacerbações pulmonares. Em quase metade dos participantes, os efeitos colaterais foram possivelmente relacionados ou relacionados ao ETI. 3% descontinuaram ou suspenderam o tratamento devido aos efeitos colaterais. A função pulmonar medida pelo VEF1 permaneceu estável durante todo o estudo. A Dra Cori concluiu que o tratamento com ETI continua a ser seguro, bem tolerado e efetivo mesmo após quase 3 anos de uso.
c. Estudo de fase 2 APPLAUD com o medicamento LAU-7b: apresentado por Larry Lands, Chief Medical Advisor da Laurent Pharmaceuticals. Foi observado que a inflamação pulmonar persiste mesmo após o uso de moduladores. Desta forma, o estudo APPLAUD foi idealizado para investigar a segurança e o efeito terapêutico anti-inflamatório da fenretinida (LAU-7b) em pessoas com FC. O LAU-7b, um retinóide artificial derivado da vitamina A, tem o potencial de preservar a função pulmonar por reduzir a inflamação persistente e melhorar a capacidade do pulmão de se defender contra as bactérias. O estudo foi multicêntrico de fase 2, placebo-controlado, randomizado e envolveu 166 pacientes com FC > 18 anos nos Estados Unidos, Canadá e Austrália que receberam 6 ciclos de tratamento. Foram demonstrados resultados estatisticamente significativos a favor do LAU-7b com relação a perda da função pulmonar e melhora dos níveis séricos da proteína C-reativa. Uma análise de subgrupo sugeriu que o efeito parece ser melhor quando administrado no paciente já em uso de moduladores, incluindo ETI. Foi sugerido que o LAU7b tem o potencial de resgatar e preservar o efeito modulador da CFTR durante o stress celular.
6. Posso suspender as nebulizações quando eu iniciar o tratamento com os moduladores? Resultados do Estudo SIMPLIFY.
Quem já não ouviu esta pergunta? Apresentado por David Nichols, da Universidade de Washington, este estudo foi desenvolvido para avaliar o impacto da suspensão da nebulização tanto da solução salina hipertônica quanto da dornase alfa por 6 semanas em pacientes maiores de 12 anos recebendo ETI há pelo menos 90 dias. Foram comparados 2 grupos de “não tratamento”: 1 grupo que suspendeu a nebulização hipertônica e 1 grupo que suspendeu a nebulização com dornase alfa e monitorou a função pulmonar e o surgimento de sintomas respiratórios. Financiado pela CFF, os resultados já estão publicados no Lancet Respiratory Medicine de 04/11/22 indicando que não houve redução significativa da função pulmonar ou surgimento/piora de sintomas pulmonares relacionados à piora clínica no curto período de tempo estudado. Resultados sobre a repercussão da suspensão das nebulizações no clearance mucociliar serão publicados separadamente e deverão fornecer informações adicionais sobre a segurança de suspender o tratamento. Até o momento, as decisões quanto à suspensão de tratamentos devem ser individualizadas.
7. Fisioterapia: como tornar a fisioterapia respiratória mais ativa e eficaz?
Fisioterapia respiratória inclui também a inaloterapia adequada. Desta forma, nesta seção foram revisados os conceitos básicos sobre tipos de nebulizadores, suas indicações, necessidade de cuidados na higiene e desinfecção, além de cuidados em sua manutenção – controle de funcionamento. Nesse quesito, vale ressaltar a existência de estudo nacional do fisioterapeuta Evanirso Aquino que demonstrou que os compressores dos nebulizadores brasileiros estavam frequentemente operando em situações inadequadas (Aquino et al, Respir Med 2021).
Em relação às técnicas de fisioterapia, a recomendação é o uso da técnica de preferência dos indivíduos, para que haja adesão adequada. Os diversos dispositivos foram descritos, incluindo os mais simples de pressão oscilatória (Acapella, Aerobika, Vibralung), além dos dispositivos de vestir (Vest, Respirtech, SmartVest, Hill-Rom Monarch, AffloVest). Foi citado um novo dispositivo muito interessante, que emite sons em uma frequência adequada para mobilização de secreções, denominado Woojer / Sick beats (https://www.dandad.org/awards/professional/2021/234290/sick-beats/).
Uma apresentação extremamente interessante abordou os aspectos da importância do tronco (estabilidade, postura) e suas relações com seus diversos componentes, particularmente com o diafragma. A importância do diafragma foi ressaltada para a respiração e também em questões de postura, retorno venoso e controle da pressão arterial. Outro aspecto interessante abordado foi a correlação da função diafragmática com ansiedade e dor, ressaltando a importância do aprendizado da respiração diafragmática. Foram indicados ainda os aspectos de posição e postura impactando desfechos de saúde respiratória e resultados de tratamento na fisioterapia. A apresentadora mostrou figuras do personagem Calvin expandindo mais o tórax e Haroldo com uma postura mais para dentro com uma respiração mais diafragmática – e a relação disso com maior expansão das porções inferiores dos pulmões.
Por fim, uma última apresentação ressaltou os efeitos das atividades esportivas nas pessoas com FC, sem pretensão de substituir a fisioterapia. Ideias de que essas atividades podem trazer melhora de dores e de rigidez corporal, contribuindo ainda para melhora da respiração, da postura, ajudando inclusive na melhora da eliminação de secreções. Deu exemplos de atividades de alongamento, sugestões de combinar fisioterapia e exercícios, como a ideia de integrar huffing no exercício.
8. Alguns temas livres selecionados:
a. Early onset CF lung disease (CFELD): O trabalho foi apresentado por Leslie Huang, que trabalha com o Professor Phillip Farrell. Foi descrita a criação de um escore clínico capaz de prever doença pulmonar precoce – já publicado esse ano. Denominado CFELD System, parece ser capaz de identificar essa expressão mais preocupante da FC (Huang, Pediatr Pulmonol 2022). A autora descreveu a ideia de combinar uma nova análise genética (genoma completo ou GWAS) a esses achados, descrevendo os hot spots genéticos que podem ser úteis.
b. A exposição a tabaco pode limitar a resposta clínica ao ivacaftor: Apresentado por Gabriela Oates, trouxe informações sobre evidências de que a exposição ao tabaco atrapalha a função da CFTR, e que dessa forma poderia interferir também com a função dos moduladores. O estudo investigou dois metabólitos na urina, que são produtos de exposição ao tabaco, e acabou por identificar também que o relato de exposição ao tabaco é falho em identificar o fenômeno (subestima a exposição em pelo menos 40%). Foi descrito que pessoas expostas ao tabaco tratadas com ivacaftor tiveram respostas menores em termos de redução dos valores de cloreto no suor e mesmo de melhoras de função pulmonar. Por fim, relata as ideias e resultados da iniciativa CEASE-CF, um programa para tratar pessoas com FC e familiares contra tabagismo.
c. STOP-2 coorte de exacerbações em FC: Apresentado por Kristina Montemayor, mostrou alguns dados dessa coorte de tratamento de exacerbações (que foi atrapalhado pela pandemia). O trabalho demonstrou diferenças relacionadas ao sexo: as mulheres tinham mais exacerbações no último ano, mas melhores valores de espirometria; curiosamente com piores valores de escore de sintomas. Não houve diferença na função pulmonar com o tratamento entre os sexos, mas o risco de exacerbações a seguir foi maior entre as mulheres.
d. STOP-PEDS: Nesse trabalho apresentado por Don B Sanders foi estudado um protocolo para tentar reduzir a frequência de uso de antibióticos por via oral em exacerbações de crianças com FC. Citando que dados de pessoas normais e com bronquiectasias não FC podem demorar para melhorar sua tosse durante infecções virais, propõe um período mais longo para tomar a decisão do uso de antibióticos por via oral. O estudo fez um sorteio e um grupo foi tratado de imediato com antibióticos, enquanto outro aguardou 7 dias (com intensificação de fisioterapia apenas) para essa decisão. Não houve grande diferença de desfecho entre os grupos, indicando que a decisão de uso de antibióticos em fases iniciais de exacerbação pode ser tomada de forma mais ponderada.
9. Reunião do Grupo Global CF Collaboration:
Esse grupo inicialmente foi criado como “Harmonization of International Registries” pelo Dr. Geoff Sims, da Austrália. No ano de 2020, o grupo passou a ser muito ativo, com a condução de estudos de impacto da COVID para pessoas com FC. Nós participamos de algumas dessas publicações (profissionais específicos que contribuíram com casos). O grupo se organizou bastante e atualmente está sendo liderado pela Dra. Anne Stephenson, do Canadá. Na reunião foi realizada uma interessante discussão sobre aspectos de genética, liderada pela Dra. Karen Raraigh da Univ. Johns Hopkins (CFTR2). Parece que em breve teremos uma lista atualizada de variantes, com um número muito maior (provavelmente 4.000) de variantes associadas a pessoas com FC. O Brasil segue sendo um dos Registros com excelente qualidade de informação sobre genética desde a recodificação realizada em nossa base de dados no ano de 2017. Na discussão sobre dados de função pulmonar, a Dra. Sanja Stanojevic do Hospital Sick Children (Canadá) mostrou dados sobre as questões do uso de cor e etnia para definir os valores de referência para os testes espirométricos. No passado, diferenças de função pulmonar entre as raças foram utilizadas como explicação para os conceitos de “inferioridade” de algumas raças. Neste sentido, ela sugere que isso seja abolido das análises, pois a variação não é grande o suficiente para justificar todas as dificuldades. Trata-se de uma visão importante, sendo uma provável tendência para o futuro, dada a enorme miscigenação que ocorre em diversos países, como o Brasil. Por fim, a Dra. Anne Stephenson mostrou os prazos para o último estudo de evolução dos casos de COVID, sendo necessária a submissão dos dados até o final de novembro. O Brasil poderia contribuir com os casos da plataforma do REBRAFC de 2020, mas caso isso venha a ser feito os responsáveis deverão ser contatados para autorizar essa inclusão. Por fim, a ideia de ampliar iniciativas de Registros de FC para outros países da América Latina foi apresentada pelo Dr. Hector Gutierrez, chileno radicado nos EUA. Ele tem trabalhado com a CFF no propósito de ajudar outros países da região, e delineou uma lista mínima de dados que alguns Centros vem captando através da plataforma RedCap. Isso torna distante e improvável qualquer perspectiva de protagonismo do nosso registro como modelo para o continente. De qualquer modo, seguimos nesse grupo com bastante alegria e procurando estar sempre alinhados com a visão de outros países quanto aos dados capturados no registro.
10. Quais são as perspectivas dos editores dos principais jornais em FC?
Esta atividade ofereceu perspectivas únicas dos revisores, editores e autores de alguns dos melhores artigos publicados na área. Dra Bonnie Ramsey (Professora e vice coordenadora de pesquisa - Departamento de Pediatria - University of Washington School of Medicine) explanou sobre a importância de publicar os estudos realizados nas instituições, pois promove melhorias no conhecimento, no cuidado aos pacientes, oferece uma oportunidade de revisão do estudo por experts e avanços na carreira (grants de pesquisa, reconhecimento nacional), bem como envolve estudantes e pesquisadores. Para o tópico “qual jornal deve ser enviado o manuscrito”, Dra. Ramsey explicou que o artigo deve ser submetido ao jornal que alcance o público-alvo para o assunto em questão, que demonstre respeito e reconhecimento pelos artigos, preferencialmente que seja acessado facilmente online ou em bibliotecas institucionais, bem como que tenha um processo de submissão confiável, bem-definido e ético. Apesar de importante, o fator de impacto não deve ser o único fator considerado. Por outro lado, Dra. Ramsey colocou alguns aspectos aos quais deve-se estar atento para que o manuscrito seja atraente para as revistas: (1) Novidade - apresenta uma nova informação?; (2) Impacto - vai modificar a saúde da população?; (3) A metodologia está clara e bem delineada?; (4) A discussão e conclusão estão sendo bem embasadas pelos autores?; (5). Houve alguma publicação recente na área de interesse do estudo? Deve-se ter cuidado com revistas que garantem o aceite rápido para publicação, solicitam agressivamente submissões por e-mail, convidam para conferências inexistentes. Os sites jane.biosemantics.org e thinkchecksubmit.org podem auxiliar.
11. Evoluindo com os tempos: acompanhando o desenvolvimento e o envelhecimento da população com FC
A terceira e última plenária foi dedicada à discussão da nossa adaptação diante do futuro. A disseminação do tratamento com moduladores de alta eficácia na América do Norte e Europa impactou severamente na vida das pessoas com FC - e impactou para melhor. Os benefícios dessas terapias para os pacientes elegíveis já são claramente observados nos relatórios dos registros nacionais desses países. E, com a promessa de que “no one will stay behind” (ninguém ficará para trás), temos a esperança de que novas terapias com o mesmo impacto (ou maior!), surjam brevemente para aqueles não-elegíveis aos medicamentos hoje disponíveis.
Assim, a Dra. Elizabeth Tullis, coordenadora do Centro de Referência em Fibrose Cística de Adultos de Toronto, conduziu brilhantemente uma discussão sobre os desafios diante de nós: afinal, os pacientes com FC estão vivendo mais e vivendo melhor. A população de adultos com FC ultrapassou a população infantil há alguns anos - uma realidade que esperamos que brevemente seja a brasileira. Ainda assim, são pessoas que necessitam de tratamentos farmacológicos e nãofarmacológicos, têm outras doenças que vêm sendo associadas à FC, e a maior longevidade agrega a este cenário novas realidades para os pacientes.
As pessoas com FC, vivendo mais e melhor, tem agora mais claramente em sua visão de futuro coisas como formar famílias, gerar filhos, ingressar no mercado de trabalho, realizar planejamento financeiro a longo prazo, planejar aposentadorias. Além disso, a presença de menos sintomas impacta na forma como estas pessoas se relacionam com o tratamento, com os serviços de saúde e com as equipes de FC.
Estamos delineando um cenário em que temos uma população com FC maior, mais diversa na apresentação de sintomas e com mais responsabilidades além do tratamento da sua doença. Logo, adaptações na forma como delineamos o cuidado hoje serão necessárias, e devem estar em nosso horizonte.
Estudos já estão em andamento avaliando como diminuir o tratamento farmacológico nestes pacientes. Os resultados do SIMPLIFY foram publicados durante a conferência, e foram animadores. Temos dois outros estudos em andamento para agregar informações sobre a “desprescrição” (interrupção ou suspensão) dos medicamentos de uso rotineiro, em pacientes utilizando moduladores de alta eficácia.
Além disso, entendemos que, quando esta for a nossa realidade, as equipes e os pacientes vão lidar com muitas coisas que se apresentarão de forma diferente. As experiências de outros países já mostram que preocupações nunca imaginadas para pacientes com FC (como, por exemplo, obesidade) podem ser uma realidade. Para dar um exemplo, devemos estar abertos à discussão de que a dieta a ser orientada para pacientes com FC em uso de moduladores de alta eficácia e sobrepeso talvez não deve ser tão hipercalórica como estamos, todos nós (equipe de saúde, pacientes e familiares), acostumados.
Muitas mudanças vão ocorrer. Enquanto navegamos nestas alterações, devemos simultaneamente rediscutir a forma de acompanhamento dos pacientes.
Devemos estar abertos às mudanças - e sabemos que mudanças são difíceis. Mas estas mudanças são as melhores possíveis - pois refletem uma realidade melhor para cada pessoa que vive com FC. Será desafiador, trará ansiedade, e envolve a quebra de muitos conceitos que pensamos que estavam escritos em pedra. Porém, não poderíamos estar mais felizes em viver esta realidade juntos!
12. Algumas curiosidades…
# foi apresentado o caso de uma gestante portadora da mutação F508del, cujo bebê tem FC, sendo homozigoto para F508del. Na semana 23 da gestação foi diagnosticado ileo meconial intra-utero por ultrassonografia. Após ampla discussão de todas as equipes envolvidas, inclusive com abordagem das questões logísticas e éticas envolvidas, foi decidido iniciar o uso da terapia tripla dos moduladores (ETI) para a mãe, considerando que a medicação teria efeito intra-utero. Observou-se a resolução do íleo e o bebê nasceu com 36 semanas, sem complicações. A elastase fecal foi normal; o cloro no suor também. Estes resultados se mantiveram enquanto a bebê recebeu leite materno. Este caso chama a atenção pela inovação ao utilizar de forma preventiva a terapia moduladora para evitar ou retardar as complicações associadas à FC. O caso está publicado no J Cystic Fibrosis (S. Szentpetery, K. Foil, S. Hendrix et al.Journal of Cystic Fibrosis 21 (2022) 721-724).
# pela primeira vez a Presidente do Conselho de Curadores da CFF é uma adulta portadora de FC. KC White tem 41 anos, foi diagnosticada aos 3 anos de idade, é casada e tem filhos. KC substitui a querida Catherine “Cam” MacLoud que esteve nesta posição desde 1999.
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